De uma rua mais alta, eu assistia o jogo. Brasil contra Estados Unidos, uma quadra iluminada lá embaixo, como se o esporte tivesse se instalado no coração da cidade. A multidão acompanhava cada saque, cada bloqueio, cada ponto disputado como se fosse a vida que estivesse em jogo. Eu, de repente, não era só espectador: estava lá dentro, jogando, correndo, respirando o suor da quadra.
Gritei algo, não sei bem o quê. Os jogadores se voltaram, olharam para mim. Por um instante, a partida parou — como se eu tivesse atravessado uma linha invisível. Segui em frente, e os olhares me acompanhavam. Uns diziam que eu estava famoso, outros murmuravam "coitado dele". Eu, perdido no meio daquilo, só queria entender.
Alguém me cutucou:
— Viu o que você fez?
— O quê? — perguntei.
A resposta veio como sentença:
— O Brasil ganhou, mas a culpa foi sua. Você desconcentrou o time americano.
Não entendi se era elogio ou condenação. Antes que pudesse reagir, veio o veredito final:
— Você foi sancionado pelo governo americano. Não vai ter visto, nem conta em banco, nem cartão de crédito.
Olhei ao redor, incrédulo. Tudo por um grito, uma palavra atravessada no ar. A vitória do Brasil tinha virado a minha derrota pessoal.
Acordei com o coração acelerado, ainda com a sensação de que alguém tinha me roubado os documentos e fechado as portas do mundo. E então percebi: eu não estava sonhando apenas com vôlei. Estava sonhando com os noticiários que me cercam todos os dias, esse espetáculo permanente em que a política é um jogo, a economia é um placar e nós, sem perceber, viramos personagens secundários — às vezes acusados, às vezes culpados, quase nunca inocentes.
Talvez a vida seja mesmo essa quadra iluminada, vista de cima, onde um simples grito pode mudar o rumo da partida.